segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Ordenhando o carneiro



Por R.C. Sproul. Tradução por Diego Lahos França.
Uma Parte da série Right Now Counts Forever



Das muitas formas de legalismo existentes, nenhuma é mais mortal do que aquela que substitui a fé pelas obras, ou graça merecida como base da justificação.
A Reforma do século XVI foi uma luta mortal sobre esse tema. Foi uma luta pelo verdadeiro Evangelho, que havia sido eclipsado pela igreja medieval. Contudo, a erosão da doutrina da justificação somente pela fé não se iniciou na Idade Média. Ela tem suas raízes na época do Novo Testamento, com o aparecimento da "heresia dos gálatas". Os agitadores gálatas, que procuravam diminuir a autoridade do apóstolo Paulo, argumentavam em favor de um evangelho que requeria obras da lei não meramente como evidência da justificação, mas como um pré-requisito para a mesma. Este "Neo-Legalismo" estava em contradição direta ao ensino de Paulo em Romanos: "Sabemos que tudo o que a Lei diz, o diz àqueles que estão debaixo dela, para que toda boca se cale e todo o mundo esteja sob o juízo de Deus. Portanto, ninguém será declarado justo diante dele baseando-se na obediência à Lei, pois é mediante a Lei que nos tornamos plenamente conscientes do pecado.” (Rm 3:19–20, NVI).
Os chamados Judaizantes da Galácia procuravam adicionar as obras à fé como base necessária para justificação. Ao fazê-lo, eles corromperam o Evangelho da livre graça pelo qual nos somos justificados pela fé somente. Esta distorção levou Paulo ao seu repúdio mais veemente do que a qualquer outra heresia que ele houvesse combatido. Após sua afirmação de que não existia outro evangelho diferente daquele que ele havia proclamado e declarar amaldiçoados quem procurasse pregar "um evangelho diferente" (Gl 1), ele então repreende os gálatas: “Ó gálatas insensatos! Quem os enfeitiçou? Não foi diante dos seus olhos que Jesus Cristo foi exposto como crucificado? Gostaria de saber apenas uma coisa: foi pela prática da Lei que vocês receberam o Espírito, ou pela fé naquilo que ouviram?... É evidente que diante de Deus ninguém é justificado pela Lei, pois 'o justo viverá pela fé'” (Gl 3:1–2, 11, NVI). No início de sua epístola, Paulo expressa sua admiração em quão rapidamente os gálatas haviam abandonado o verdadeiro Evangelho e seguido um evangelho "diferente" que, na realidade, não era o evangelho. No entanto, a sedutora voz do legalismo tem sido poderosa desde o início. Esquemas de obras de justiça têm suplantado o Evangelho em todas as eras da história da igreja. Podemos citar Pelagianismo no século IV, Socinianismo no século XVI, e Liberalismo e Finneyismo no século XIX, para citar apenas alguns. Mas nenhum desses movimentos têm sido tão complexos e sistemáticos em sua adoção de uma visão legalista de justificação quanto a Igreja Católica Romana. Roma, por adicionar obras à fé e mérito à graça como pré-requisitos para justificação, tem reacendido as chamas da heresia dos gálatas.
Apesar de Roma, contra o Pelagianismo puro, insistir que a graça seja necessária para justificação, ela nega que apenas a graça justifica. Apesar de ensinar que a fé é necessária como iniciação, fundamento e raíz da justificação, ela nega que sejamos justificados somente pela fé. Ela adiciona as obras como requerimento para a justificação. Para que Deus nos declare justos, precisamos ser inerentemente justos, de acordo com Roma.
Roma adiciona o mérito à graça em duas formas diferentes. Primeiro, existe o "Mérito Congruente" (meritum de congruo), mérito que a pessoa adquire ao realizar obras de satisfação dentro do contexto do sacramento da penitência. Esses obras, feitas com o auxílio da graça, faz "congruente" ou "adequado" o fato de Deus justificar a pessoa.
Segundo, existem as obras de supererrogação. Estas obras estão acima e além do devido; portanto, elas rendem mérito excedente. Roma afirma que quando os santos alcançam mais méritos do que necessitam para entrar no céu, o excesso é depositado no "Tesouro de Méritos". Roma chama isto de "bens espirituais da comunhão dos santos." A partir deste tesouro a igreja pode dispensar mérito àqueles que não possuem a quantidade suficiente. Isto é feito através de "indulgências". O Catecismo da Igreja Católica define indulgência como: "A remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à culpa, (remissão) que o fiel bem-disposto obtém, em condições determinadas, pela intervenção da Igreja que, como dispensadora da redenção, distribui e aplica por sua autoridade o tesouro das satisfações (isto é, dos méritos) de Cristo e dos santos." Durante a Reforma, uma enorme controvérsia foi gerada em torno das indulgências. Os Reformadores insistiam que a única pessoa cujas obras tinham verdadeiro mérito diante de Deus era Cristo. É por Suas obras e Seu mérito apenas que podemos ser justificados. O valor dos méritos de Cristo não pode ser aumentado ou diminuído pelas obras de outros. No entanto, no sistema Romano, nossas obras não apenas valem para nossa própria justificação, mas se elas forem boas o suficiente, podem auxiliar aos que estão no purgatório que não possuem mérito suficiente para entrar no céu. Martinho Lutero declarou que a visão Romana dos méritos não passavam de fábulas vãs e especulações ilusórias sobre coisas sem valor. Ele argumentou que qualquer visão que incluísse nossas obras para nossa justificação não era apenas blasfema, mas ridícula. Ele disse: “Procurar ser justificado pela Lei é como se um homem, já fraco e doente, saísse em busca de outra doença maior, na esperança de curar sua dor, o que iria, é claro, trazer a ele maior ruína, como se um homem afligido por epilepsia procurasse adicionar peste a ela... Aqui, como diz o ditado, um ordenha o carneiro, enquanto outro segura a peneira sob ele." O ditado de Lutero declara uma tolice dupla. Tentar ordenhar um carneiro é tolice suficiente. Mas tentar trazer uma peneira para apanhar o leite completa a tolice. De igual modo, tentar ser justificado por qualquer forma de legalismo é tão tolo quanto tentar ordenhar um carneiro - mas com consequências muito mais severas.
A grande tragédia dos nossos dias não é apenas que o Catolicismo Romano e outras religiões, como o Islamismo, apresentem as obras como base necessária para a justificação. Em termos práticos, eu temo que a grande maioria dos Protestantes também depositem suas esperanças sobre suas próprias obras. Enquanto não desistirmos de procurar nossa justificação pelas obras, nós não teremos entendido o Evangelho.

Publicado originalmente em: http://pt.gospeltranslations.org/wiki/Ordenhando_o_carneiro

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Não Desperdice Seu Câncer


John Piper escreveu este texto na véspera da cirurgia de câncer de próstata à qual foi submetido:

Creio no poder de Deus para curar - por meio de um milagre e da medicina. Sei que é certo e bom orar pelos dois tipos de cura.
O câncer não é desperdiçado ao ser curado por Deus. Diante da cura, Deus receberá a glória. Então, não orar pela cura do câncer, fará alguém desperdiçar o seu câncer. Mas a cura NÃO é o plano de Deus para todos e nem por isso ele deixará de ser glorificado, pois sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus.
Existem muitas outras formas de alguém desperdiçar seu câncer. Estou orando por mim e por você, para que não desperdicemos esta dor.

1. Você desperdiçará seu câncer caso não creia que isto foi planejado por Deus.

Não diga que Deus apenas usa nosso câncer, mas que não o planeja. O que Deus permite, ele o faz por uma razão. Por conseguinte, está razão é sua vontade.
Se Deus prevê desenvolvimentos moleculares tornando-se cancerígenos, ele pode deter isto ou não. Se não, ele tem um propósito. Por ser infinitamente sábio, é correto chamar este propósito de plano. Satanás é real e causa muitos prazeres e dores. Mas ele não é a causa última. Assim, quando ele atacou Jó com úlceras (Jó 2.7), Jó atribuiu-as a Deus (2.10), e o escritor inspirado concorda: “e o consolaram de todo o mal que o Senhor lhe havia enviado” (Jó 42.11). Se você não crê que seu câncer lhe foi planejado por Deus, você o desperdiçará.

2. Você desperdiçará seu câncer caso creia que ele é uma maldição, e não uma bênção.

“Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Romanos 8.1). “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós” (Gálatas 3.13). “Contra Jacó, pois, não há encantamento, nem adivinhação contra Israel” (Números 23.23). “Porquanto o Senhor Deus é sol e escudo; o Senhor dará graça e glória; não negará bem algum aos que andam na retidão.” (Salmos 84.11)

3. Você desperdiçará seu câncer caso procure conforto em suas chances de recuperação em vez de procurá-lo em Deus.

O plano de Deus em relação ao seu câncer não é treiná-lo no cálculo de chances de forma racionalista e humana. O mundo consegue conforto em estatísticas. Cristãos não. Aliás, nem devem. Alguns contam seus carros (porcentagens de sobrevivência) e outros contam seus cavalos (efeitos colaterais do tratamento), mas nós confiamos no nome do Senhor, nosso Deus (Salmos 20.7). O plano de Deus está claro em 2 Coríntios 1.9: “portanto já em nós mesmos tínhamos a sentença de morte, para que não confiássemos em nós, mas em Deus, que ressuscita os mortos”. O objetivo de Deus relativo ao seu câncer (entre várias outras coisas boas) é derrotar a autoconfiança em nosso coração para podermos descansar completamente nele.

4. Você desperdiçará seu câncer caso se recuse a pensar na morte.

Todos nós morreremos, caso Jesus não retorne em nossos dias. Não pensar sobre como seria deixar esta vida e encontrar Deus é tolice. Eclesiastes 7.2 diz: “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete; porque naquela se vê o fim de todos os homens, e os vivos o aplicam ao seu coração”. Como você pode aplicar esta verdade a seu coração se não pensa nela? O Salmos 90.12 diz: “Ensina-nos a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios”. Contar seus dias significa pensar sobre quão poucos eles são e que terminarão. Como você conseguirá um coração sábio se você se recusa a pensar nisto? Que desperdício, caso não pensemos sobre a morte!

5. Você desperdiçará seu câncer caso pense que “vencê-lo” significa sobreviver e não aproximar-se de Cristo.

Os planos de Deus e os planos de Satanás para seu câncer não são os mesmos. Satanás deseja destruir seu amor por Cristo. Deus planeja aprofundá-lo. Da perspectiva do Reino, amarmos mais a Deus é mais importante do que sermos curados por ele. O câncer não vencerá se você morrer, vencerá se você falhar em aproximar-se de Cristo. O plano de Deus para a sua vida é privá-lo do alimento do mundo e satisfazê-lo com a suficiência de Cristo. Isto tem o objetivo de ajudá-lo a dizer e a sentir: “tenho também como perda todas as coisas [inclusive a minha saúde e a minha vida!] pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor”. E saber, portanto, que “o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Filipenses 3.8; 1.21).

6. Você desperdiçará seu câncer caso gaste mais tempo lendo sobre o câncer do que sobre Deus e a sua Palavra.

Não é errado ler sobre o câncer. Ignorância não é virtude. Mas, o desejo de saber mais e mais, e a falta de zelo pelo conhecimento contínuo de Deus é sintomático no incrédulo. Da perspectiva de Deus, o objetivo do câncer é acordar-nos para a realidade de Deus, colocar sensações e força no mandamento “Conheçamos, e prossigamos em conhecer ao Senhor” (Oséias 6.3), acordar-nos para a verdade de Daniel 11.32: “O povo que conhece ao seu Deus se tornará forte, e fará proezas”, tornar-nos carvalhos indestrutíveis e firmes: “antes tem seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e noite. Pois será como a árvore plantada junto às correntes de águas, a qual dá o seu fruto na estação própria, e cuja folha não cai; e tudo quanto fizer prosperará.” (Salmos 1.2, 3). Que desperdício será lermos dia e noite sobre o câncer e nada a respeito de Deus!

7. Você desperdiçará seu câncer caso se isole em vez de aprofundar seus relacionamentos, manifestando afeição.

Quando Epafrodito trouxe os presentes enviados pela igreja de Filipos para Paulo, ele ficou doente e quase morreu. Paulo diz aos filipenses: “porquanto ele tinha saudades de vós todos, e estava angustiado por terdes ouvido que estivera doente” (Filipenses 2.26). Que reação maravilhosa! Não diz que estavam angustiados porque Epafrodito estava doente, mas que ele estava angustiado porque os filipenses ouviram que ele estava doente. Este é o tipo de coração que Deus pretende criar com o câncer: o coração profundamente afetivo e preocupado com as pessoas. Não desperdice seu câncer voltando-se para si mesmo.

8. Você desperdiçará seu câncer caso se entristeça como quem não tem esperança.

Paulo usa esta expressão para designar pessoas cujos entes queridos haviam morrido: “Não queremos, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais como os outros que não têm esperança” (1Tessalonicenses 4.13). Existe tristeza na morte. Mesmo para o crente que morre, há uma perda temporária—a perda do corpo, de entes queridos e do ministério terreno. Mas a tristeza é diferente—é permeada pela esperança: “desejamos antes estar ausentes deste corpo, para estarmos presentes com o Senhor” (2 Coríntios 5.8). Não desperdice seu câncer ficando triste como quem não tem esta esperança.

9. Você desperdiçará seu câncer caso trate o pecado tão normalmente quanto antes.

Seus pecados freqüentes permanecem tão atrativos quanto antes de você ter câncer? Se a resposta for afirmativa, então você está desperdiçando seu câncer. O câncer foi planejado para destruir o apetite pelo pecado. Orgulho, ganância, luxúria, ódio, falta de perdão, impaciência, preguiça, procrastinação—todos estes são adversários que o câncer deve atacar. Não pense apenas em lutar contra o câncer. Pense também em usá-lo. Todas estas coisas são piores que o câncer. Não desperdice o poder do câncer para esmagar estes adversários. Deixe a presença da eternidade tornar os pecados temporais tão fúteis como eles realmente são. “Pois, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, e perder-se, ou prejudicar-se a si mesmo?” (Lucas 9.25).

10. Você desperdiçará seu câncer caso falhe em utilizá-lo como meio de testemunhar a verdade e a glória de Cristo.

Os cristãos nunca se encontram em determinado lugar por acidente. Existem razões para as quais somos levados onde estamos. Considere o que Jesus diz sobre circunstâncias inesperadas e dolorosas: “Mas antes de todas essas coisas vos hão de prender e perseguir, entregando-vos às sinagogas e aos cárceres, e conduzindo-vos à presença de reis e governadores, por causa do meu nome. Isso vos acontecerá para que deis testemunho” (Lucas 21.12-13). Assim também é com o câncer. Essa será uma oportunidade para testemunhar. Cristo é infinitamente digno. Aqui está uma oportunidade de ouro para mostrar que Jesus vale mais que a vida.
Não a desperdice o seu câncer. Lembre-se de que você não foi deixado sozinho; terá a ajuda necessária: “Meu Deus suprirá todas as vossas necessidades segundo as suas riquezas na glória em Cristo Jesus” (Filipenses 4.19).

Originalmente postado em:

http://www.desiringgod.org/resource-library/taste-see-articles/dont-waste-your-cancer

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